Pelos Caminhos de Israel
Entrevista concedida em 16/7/2009 para o Portal Juruá Editora.
Isaac SABBÁ GUIMARÃES é Promotor de Justiça no Estado de Santa Catarina; Mestre em Direito pela Universidade de Coimbra; Professor na Universidade do Vale do Itajaí – Univali, onde cursa doutorado. É Professor convidado do Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina – Cesusc e da Universidade do Sul de Santa Catarina – Unisul; membro da Associação de Escritores do Amazonas – Asseam, e da União Brasileira de Escritores – UBE. É autor de livros jurídicos, destacando-se Dogmática Penal e Poder Punitivo; Direito Penal Sexual - Fontes e fundamentos; Metodologia do Ensino Jurídico – Aproximações ao método e à formação do conhecimento jurídico; Habeas corpus – Crítica e perspectivas; Nova Lei Antidrogas Comentada, além de ter traduzido: A Ignorância do Direito, todos por esta editora.
1- No Brasil, israelenses, árabes, palestinos e muçulmanos convivem em harmonia e pacificamente. Por quê não se vislumbra esta possibilidade a curto e médio prazo no Oriente Médio ?
R: O Brasil é um Estado onde se vivencia a maior democracia racial e étnica do mundo. Aspecto, aliás, destacado por Gilberto Freyre ao procurar razões sociológicas para justificar a experiência que aqui se deu, inclusive supondo uma possível tendência dos colonizadores portugueses para a miscigenação. Talvez por isso judeus e muçulmanos (a distinção que prefiro fazer é entre religiões e etnias) plasmem-se tão bem neste ambiente pluri-étnico e multirracial. No entanto, no Oriente Médio as diferenças parecem mais marcantes: de um lado, estão os judeus que possuem vínculos estreitos com Eretz Israel, seu lar nacional ao longo de milênios (mesmo com a diáspora ocorrida durante o domínio romano, no ano 70 da e.c., muitos judeus permaneceram em Jerusalém e ao longo da Idade Média houve o retorno de místicos e religiosos que se encontravam em Sefarad, Espanha), vínculos esses que se justificam não apenas pela história, mas por uma vocação messiânica e, até mesmo, pela mística (D’us quando se dirige a Israel está a tratar com seu povo; Israel é a própria nação quando os judeus recitam o Shemah); de outro lado, há os palestinos, povo que tem sua origem no nomadismo e que não ocupou Israel antes dos judeus e, hoje, dividido em milhares de seitas, mergulha no fundamentalismo, fenômeno posterior ao panarabismo e muito mais danoso, pois que propõe uma grande jihad e uma separação entre oriente e ocidente (acredito que a crise do porvir não se fundará no neoliberalismo ou na globalização, como a intelectualidade progressista acredita, mas na ruptura oriente-ocidente, fomentada por governantes como Ahmadinejad, do Irã). Não esqueçamos que, após a saída de Espanha, os muçulmanos acantonaram-se e viveram uma espécie de auto-exílio, aprofundando, com isso, as diferenças com os demais povos (o que restou da filosofia árabe e de sua contribuição para o humanismo?). Some-se a isso a cultura tribal dos palestinos, que colide com as bases da democracia fundada no Estado judeu e com a noção de tolerância, para entendermos a dificuldade de diálogo entre as duas partes. Há quem refira ter sido a Guerra Fria um dos ingredientes da discórdia entre judeus e os povos árabes, mas a questão é bem mais complexa.
R: O Brasil é um Estado onde se vivencia a maior democracia racial e étnica do mundo. Aspecto, aliás, destacado por Gilberto Freyre ao procurar razões sociológicas para justificar a experiência que aqui se deu, inclusive supondo uma possível tendência dos colonizadores portugueses para a miscigenação. Talvez por isso judeus e muçulmanos (a distinção que prefiro fazer é entre religiões e etnias) plasmem-se tão bem neste ambiente pluri-étnico e multirracial. No entanto, no Oriente Médio as diferenças parecem mais marcantes: de um lado, estão os judeus que possuem vínculos estreitos com Eretz Israel, seu lar nacional ao longo de milênios (mesmo com a diáspora ocorrida durante o domínio romano, no ano 70 da e.c., muitos judeus permaneceram em Jerusalém e ao longo da Idade Média houve o retorno de místicos e religiosos que se encontravam em Sefarad, Espanha), vínculos esses que se justificam não apenas pela história, mas por uma vocação messiânica e, até mesmo, pela mística (D’us quando se dirige a Israel está a tratar com seu povo; Israel é a própria nação quando os judeus recitam o Shemah); de outro lado, há os palestinos, povo que tem sua origem no nomadismo e que não ocupou Israel antes dos judeus e, hoje, dividido em milhares de seitas, mergulha no fundamentalismo, fenômeno posterior ao panarabismo e muito mais danoso, pois que propõe uma grande jihad e uma separação entre oriente e ocidente (acredito que a crise do porvir não se fundará no neoliberalismo ou na globalização, como a intelectualidade progressista acredita, mas na ruptura oriente-ocidente, fomentada por governantes como Ahmadinejad, do Irã). Não esqueçamos que, após a saída de Espanha, os muçulmanos acantonaram-se e viveram uma espécie de auto-exílio, aprofundando, com isso, as diferenças com os demais povos (o que restou da filosofia árabe e de sua contribuição para o humanismo?). Some-se a isso a cultura tribal dos palestinos, que colide com as bases da democracia fundada no Estado judeu e com a noção de tolerância, para entendermos a dificuldade de diálogo entre as duas partes. Há quem refira ter sido a Guerra Fria um dos ingredientes da discórdia entre judeus e os povos árabes, mas a questão é bem mais complexa.
2- O que o Sr considera que possa ou deva ser feito para mitigar os conflitos na área em questão ?
R: Venho acompanhando a questão palestina desde os anos 1980, quando Beguin era o primeiro ministro de Israel e passou a dialogar diretamente com Sadat, com o apoio dos norte-americanos, e de lá para cá os governos israelenses sempre avançaram com políticas de redução de assentamentos de colonos judeus em áreas de conflito e de destinação de subsídios para a hoje denominada Autoridade Palestina. Criou-se, com isso, um processo incontornável para o aparecimento de um Estado palestino. Mas há, ainda, dois grandes problemas a resolver: o primeiro concerne à determinação de um território para esse Estado em desenvolvimento, que não afete aqueles vínculos da judeidade: refiro-me a Jerusalém, que desde o rei David, há 3500 anos, tem especial significado para os judeus; o segundo, refere-se ao problema dos milhares de palestinos exilados que postulam o seu retorno, o que, do ponto de vista demográfico, já seria um absurdo e do ponto de vista da segurança, um risco. Tais questões devem ser tratadas a sério, mas não com as alas radicais do fundamentalismo, que têm nas suas raízes o terrorismo. Os palestinos devem estabelecer uma autoridade legítima para o diálogo político. Essa autoridade não se justifica pelo emprego do temor, pelas pelejas tribais para a disputa de uma hegemonia, mas deve fundamentar-se em bases democráticas de formação de poder político. Insisto neste ponto: enquanto houver terrorismo do lado palestino, não haverá autoridade política nem legitimidade para o diálogo.
3- O que é o Talmud ?
R: Para além da Torah (onde está o Pentateuco), os judeus mantinham a tradição da Lei Oral (sistematizada por Maimônides em sua Mishné Torah, por volta de 1180). O acúmulo de leis determinou a necessidade de uma exegese e durante o séc. IV antes da era comum criou-se uma tradição de escribas, que tinham uma missão ampla, inclusive de divulgarem o direito para os judeus cativos na Babilônia, uma espécie de direito válido intramuros. Ocorreram vários modelos literários que partiram da Lei, entre os quais o Midrash, que é uma interpretação da Escritura, originando-se dos sermões que acompanhavam a Leitura da Lei no Templo e nas sinagogas. Com isso já teremos a compilação de um Talmud babli, babilônico e do Talmud ierushalmi, de Jerusalém, cujo período áureo está entre os séculos I e II e é desenvolvido pelas escolas de Iheudah e de Hilel. A partir do séc. X todos os judeus foram submetidos aos regulamentos do Talmud, sendo o direito talmúdico ainda empregue em Israel, especialmente na área da família. O Talmud não é dogmático, mas provoca, através de seus diálogos, a reflexão do estudioso: nele encontrará um desenvolvido sistema ético que tratará das mais diversas reflexões sobre a vida em sociedade, incluindo os princípios de caridade, de justiça, de humanismo, de estética, de comportamento (há aconselhamentos sobre o trato nas relações pessoais, a respeito da cortesia, de como o conviva deve proceder, das relações conjugais, entre pais e filhos, entre mestres e seus discípulos etc).
4- Quais as principais semelhanças e diferenças entre a Torah, o Alcorão e a Bíblia ?
R: Há nesses livros e na filosofia das três religiões monoteístas um código ético que prega a paz e a preservação do ser humano. O conjunto normativo existente na Torah é mais desenvolvido e repercute naquilo que comumente se denomina de cultura judaico-cristã, presente nos dias de hoje no mundo ocidental. O etos das civilizações ocidentais encontra uma justificativa nesse conjunto de valores e princípios descritos na Torah ou no Velho Testamento da Bíblia cristã. Não é por outro motivo que temas como o aborto, a eutanásia, a pena de morte, a punição de condutas que violam a autodeterminação sexual, a pureza familiar e a proscrição de certas condutas sexuais, como o incesto, são polêmicos na banda ocidental do mundo, que os aprendeu e estabeleceu dogmas através dos escritos da raiz judaico-cristã. Por outras palavras, esses temas são polêmicos porque dizem respeito à moral judaico-cristã e não nos podem ser indiferentes. Leia-se a Suma Teológica de Tomás de Aquino e lá se encontrarão discussões de problemas éticos enfrentados por Maimônides (aliás, o Doctor Angelicus cita em profusão o filósofo judeu). Da Bíblia gosto das epístolas de São Paulo, que tratam de princípios puramente judaicos, como a dignidade da pessoa, a igualdade, o princípio do respeito, mas não conheço completamente o Novo Testamento.
5- Qual a atual situação política-geográfica de Jerusalém, em face dos anseios dos povos israelenses, árabes e palestinos?
R: Insisto, por convicção pessoal, que Jerusalém deve ficar fora de qualquer discussão em torno da criação de um Estado palestino, seja por motivos históricos (é a Cidade do Rei David, lá foi construído o Templo Sagrado, que foi destruído duas vezes), seja por motivos místicos e culturais. Desde o período de Béguin Israel tem estado aberto ao diálogo, tendo feito concessões não apenas ao Egito, mas em favor dos palestinos, que hoje ocupam cidades importantes para o judaísmo, citadas no Velho Testamento, como é o caso de Hebron. Contudo, não me parece que o centro do judaísmo deva ser dividido, nem muito menos entregue.
6- Em seu livro, o Sr. enfatiza a importância da Palavra para o judeu. Qual a origem e o porquê da importância da Palavra para o povo judeu?
R: Há um sentido místico nisso, pois D’us criou o mundo e tudo o que há nele pronunciando a Palavra. Davar, em hebraico, é um vocábulo polissêmico, pois que tanto significa palavra, como objeto, ou, ainda, questão, problema, algo; a Palavra é, segundo o logos da língua hebraica, o que indica as coisas e a dinâmica de tudo o que ocorre; a Palavra cria, constrói, enaltece e destrói; a Palavra é viva e, portanto, não devemos esquecer do conselho do rei Sábio, para que, em certas ocasiões, refreemos o ímpeto de pronunciá-la, calando-a, para não nos tornarmos seu servo. Para além disso, a efabilidade do hebraico – e não sou eu quem o afirma, mas Umberto Eco – é uma característica marcante, e que obriga o falante a aprofundar-se no vasto sentido ideológico contido, muita vez, num único vocábulo, como é o caso de Néfesh, espírito. A Palavra, para lembrar o pequeno-grande livro de Jacques Ellul, A palavra humilhada, anda desgastada, negligenciada e subjugada por outros meios de comunicação, com isso deixando-se de lado sentido de procura da verdade para preferir-se a realidade, que nada mais é do que a representação do fático, do aqui e agora. Mas entre os judeus preza-se seu uso (um fato curioso é não existirem palavras de baixo calão em hebraico, halashon hakodesh, a língua santa, e quando esbraveja, o israelense apela para termos árabes, russos ou poloneses), inclusive em razão de um sentido ético: um dos mandamentos do judaísmo é o estudo. O judeu impôs a si a missão de estudar, mas não apenas os livros santos e por isso destacou-se entre as diversas culturas onde espargiu suas angústias (muitas vezes camuflado em vestes de cosmopolita).
7- Também em seu livro o Sr. Se refere a israelenses judeus. Por quê essa distinção ?
R: Israel abriga diversas etnias, inclusive árabes, que são cidadãos israelenses e têm representação no Knesset, o Parlamento.
8- Para quem for a turismo para Israel, do ponto de vista histórico, quais os lugares que o Sr. considera imperdíveis de se conhecer e por quê ?
R: Em primeiro lugar, Jerusalém, onde encontramos distintos traços dos povos que por ali passaram, como os gregos, os romanos, os otomanos, os sírios e, para além disso, conserva uma forte aura mística. Basta caminhar pelas ruelas da Cidade Velha para sentir-se isso, passando do bairro judeu ao Muro das Lamentações; ou, para os cristãos, percorrendo a Via Dolorosa. Há, também, a intrigante Jericó, uma das cidades mais antigas da humanidade, encravada em pleno deserto. Andar por Cesaréia, ao norte, é como retornar aos tempos de Roma antiga, já para não falar das belas praias e do mar Mediterrâneo que quase lambe suas muralhas. Gosto imensamente de Yafo, a parte antiga de Tel-Aviv, cidade que também é descrita no Velho Testamento e onde hoje judeus e árabes convivem pacificamente. O Kineret já terá especial significado para cristãos e para aqueles que desejarem estender sua viagem até Tzfat, a cidade dos judeus místicos que cultuam a cabalá, já nas franjas dos montes que levam ao Hermon, coberto de neve durante o inverno, e ao Golan. Por fim, destacaria Mitsadá (Massada), que foi palco da mais dramática circunstância judaica no período de dominação romana.
9- Quais as principais atividades econômicas que constituem o PIB israelense ?
R: Israel não é mais somente o país dos kibutzim (as fazendas em forma de comunas) e de seus produtos agrícolas: há tecnologia de ponta, por exemplo na área da informática, desenvolvida ali mesmo e hoje exportada par todo o mundo. O turismo também representa fortes ingressos para sua economia.
10- Como o Sr. analisa os casos de surgimentos de células neonazistas, veiculadas na mídia recentemente, mais notadamente no sul do Brasil ?
R: Se não estivessem em jogo a segurança pública e determinados bens jurídicos protegidos pelo direito nacional e, ainda, valores democráticos fortemente arraigados na consciência ética dos brasileiros, dentre os quais o respeito pela diferença e a tolerância, diria que as tais células têm algo de risível. É bem provável que do nazismo esses delinqüentes só conheçam a imagem de Hitler e a suástica. O pano de fundo é a intolerância e a propensão para criminalidade violenta de bandos, mas nenhuma organização bem estruturada e com capacidade de espraiar-se em solo nacional ou de influir nas instituições que possuímos. Isto não quer dizer que não devamos nos preocupar: os crimes motivados por ódio racial, contra homossexuais ou contra minorias em geral são inadmissíveis no Estado democrático de direito, e podem lesar, para além de bens jurídicos das vítimas, a própria auto-estima do povo; por isso, por outro lado, a idéia de tolerância, ínsita à democracia, não pode sequer compactuar com manifestações ideológicas alcunhadas de neonazistas – racistas, em verdade – pois que macularia seu sentido: a tolerância tem um conteúdo relativo (nenhum valor fundamental é absoluto) que se equaciona numa ponderação de valores, mas pode anular-se como valor de uma comunidade democrática quando o poder político admite aquilo que para o regramento axiológico é intolerável.
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Pelos Caminhos de Israel Isaac SABBÁ GUIMARÃES, 120 pgs. Publicado em: 13/5/2009 Editora: Juruá Editora ISBN: 978853622441-1 Preço: R$ 34,90 * Desconto não cumulativo com outras promoções e P.A.P. |
SINOPSE
O Autor viaja Pelos Caminhos de Israel explorando as cidades e monumentos de sua multimilenar história. Não com o olhar de turista apressado, mas com as percepções recorrentes da lembrança de quem viveu na Terra Santa, conhecendo seu povo e suas vicissitudes. A música, a língua hebraica, a rica literatura desde o período bíblico à filosofia da iluminura (a haskalah), a mística daquele povo que ama a Palavra e sua atual circunstância na moderna Israel, fazem companhia aos viajantes – o Autor e seus Leitores – pelos ensaios que, já por isto, tornam este livro diferente dos muitos relatos de viagem.
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