sábado, 29 de setembro de 2012

ANTÓNIO MACHADO - poeta sevilhano


Caminante, son tus huellas
el camino, y nada más;
caminante, no hay camino,
se hace camino al andar.
Al andar se hace camino,
y al volver la vista atrás
se ve la senda que nunca
se ha de volver a pisar.
Caminante, no hay camino,
sino estelas en la mar.
Caminhante, são teus rastos
o caminho, e nada mais;
caminhante, não há caminho,
faz-se caminho ao andar.
Ao andar faz-se o caminho,
e ao olhar-se para trás
vê-se a senda que jamais
se há-de voltar a pisar.
Caminhante, não há caminho,
somente sulcos no mar.

O X DA QUESTÃO: QUAL O SOM DO X?


X, O LADRÃO DE SONS:

com som de s = texto 
x com som de ss = auxílio
x com som de z = exercício
x com som de cs = sexo 
com som de ch = xícara
x com som de x = paixão 

Sem som individual, formando dígrafo: exceção, excesso, exceto,...

CONHECES O POEMA SUJO? O cavalo azul teu...

A obra, escrita durante o Regime Militar que colocara no exílio grande parte da intelectualidade brasileira, foi inicialmente lida pelo autor na casa de Augusto Boal em Buenos Aires, no ano de 1975, a pedido do poeta Vinicius de Moraes - que gravou o recital e, a partir daí, promoveu uma série de recitais onde os versos eram ouvidos por plateias diversas. Essa divulgação antecedeu sua efetiva publicação em livro, que ocorreu em 1976, ainda durante o exílio do autor, pelo editor Ênnio Silveira.

ERÓTICO E PORNOGRÁFICO DRUMMOND!


Oh! Sejamos pornográficos
(docemente pornográficos).
Porque seremos mais castos
Que o nosso avô português?

Drummond rende-se a produção de poemas que vão do erótico ao pornográfico, passando pelo completo despudor; versos milvalentes onde ato sexual não eleva nem rebaixa, mas sim, aceita exultante a condição simples, o exposto cru, bastante cru, de ser humano. Animal sem meias palavras: ato, suor, lugar, sêmen, gemido, mamilos, modo. Uma pequena amostra dessas poéticas paixões carnais estão aqui nesta pequena seleção de cinco poemas de puro gozo retirados d´O Amor Natural.


Sugar e ser sugado pelo amor
Sugar e ser sugado pelo amor
no mesmo instante boca milvalente
o corpo dois em um o gozo pleno
Que não pertence a mim nem te pertence

um gozo de fusão difusa transfusão

o lamber o chupar o ser chupado

no mesmo espasmo

é tudo boca boca boca boca
sessenta e nove vezes boquilíngua.


A língua lambe

A língua lambe as pétalas vermelhas
da rosa pluriaberta; a língua lavra

certo oculto botão, e vai tecendo

lépidas variações de leves ritmos.
E lambe, lambilonga, lambilenta,
a licorina gruta cabeluda,

e, quanto mais lambente, mais ativa,

atinge o céu do céu, entre gemidos,

entre gritos, balidos e rugidos

de leões na floresta, enfurecidos.


A castidade com que abria as coxas

A castidade com que abria as coxas
e reluzia a sua flora brava.

Na mansuetude das ovelhas mochas,

e tão estreita, como se alargava.
Ah, coito, coito, morte de tão vida,
sepultura na grama, sem dizeres.

Em minha ardente substância esvaída,

eu não era ninguém e era mil seres

em mim ressuscitados. Era Adão,

primeiro gesto nu ante a primeira
negritude de corpo feminino.

Roupa e tempo jaziam pelo chão.
E nem restava mais o mundo, à beira

dessa moita orvalhada, nem destino.


Mimosa boca errante

Mimosa boca errante
à superfície até achar o ponto

em que te apraz colher o fruto em fogo

que não será comido mas fruído

até se lhe esgotar o sumo cálido

e ele deixar-te, ou o deixares, flácido,

mas rorejando a baba de delícias

que fruto e boca se permitem, dádiva.
Boca mimosa e sábia,
impaciente de sugar e clausurar

inteiro, em ti, o talo rígido

mas varado de gozo ao confinar-se

no limitado espaço que ofereces

a seu volume e jato apaixonados
como podes tornar-te, assim aberta,
recurvo céu infindo e sepultura?
Mimosa boca e santa,
que devagar vais desfolhando a líquida
espuma do prazer em rito mudo,
lenta-lambente-lambilusamente
ligada à forma ereta qual se fossem
a boca o próprio fruto, e o fruto a boca,
oh chega, chega, chega de beber-me,
de matar-me, e, na morte, de viver-me.

Já sei a eternidade: é puro orgasmo.


Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça

Sem que eu pedisse, fizeste-me a graça
de magnificar meu membro.

Sem que eu esperasse, ficaste de joelhos

em posição devota.

O que passou não é passado morto.

Para sempre e um dia

o pênis recolhe a piedade osculante de tua boca.

Hoje não estás nem sei onde estarás,
na total impossibilidade de gesto ou comunicação.

Não te vejo não te escuto não te aperto

mas tua boca está presente, adorando.

Adorando.

Nunca pensei ter entre as coxas um deus.
---------------------------------

"O Amor Natural" não nasceu de um desvario momentâneo. O livro de poemas pornográficos, lançado em 1992, choque entre as mocinhas e senhores desavisado, expôs contornos radicais do poeta, mas o assunto já costumava aparecer em um ou outro poema, insinuadamente, fosse no embalo da união amorosa, fosse nos tons de poesia-piada, usuais no Modernismo (Era manhã de Setembro/ e/ ela me beijava o membro). Mas nesse há um desfile pelas páginas, uma galeria recheada de vulvas, línguas, falos, lambidas, pêlos.... O que mais houvesse para haver na cama entre homens e mulheres, está lá. Mas como? Aquele velhinho...?

Magnífico Drummond!

Não serei o poeta de um mundo caduco.
Também não cantarei o mundo futuro.
Estou preso à vida e olho meus companheiros.
Estão taciturnos mas nutrem grandes esperanças.
Entre eles, considero a enorme realidade.
O presente é tão grande, não nos afastemos.
Não nos afastemos muito, vamos de mãos dadas.

Não serei o cantor de uma mulher, de uma história,
não direi os suspiros ao anoitecer, a paisagem vista da janela,
não distribuirei entorpecentes ou cartas de suicida,
não fugirei para as ilhas nem serei raptado por serafins.
O tempo é a minha matéria, do tempo presente, os homens presentes,
a vida presente.

quinta-feira, 27 de setembro de 2012

Nascida em Rio Negro-PR, esposa do escritor Guimarães Rosa ajudou centenas de judeus a escapar da perseguição nazista


Fotos: Arquivo pessoal
Fotos: Arquivo pessoal / Aracy em frente a uma praça em homenagem ao marido escritorAracy em frente a uma praça em homenagem ao marido escritor
GAZETA DO POVO  
PUBLICADO EM 09/10/2010 
POLLIANNA MILAN
HISTÓRIA - BIOGRAFIA 

A heroína que o Paraná não conhece

Nascida em Rio Negro, esposa do escritor Guimarães Rosa ajudou centenas de judeus a escapar da perseguição nazista
---------------------
Poucos paranaenses sabem que foi em Rio Negro que nasceu uma das maiores – se não a maior – heroínas do estado. É verdade que ela sempre foi muito discreta, por isso só recentemente tem recebido cada vez mais homenagens, mesmo que a memória atualmente não lhe ajude mais. Aracy Moebius de Carvalho Guimarães Rosa, 102 anos, é a única mulher reconhecida até por Israel por ter arriscado a própria vida salvando centenas de judeus. Por causa do mal de Alzheimer, ela não se lembra mais de grande parte do que aconteceu. O que ela fez, contudo, é impossível de se apagar na história. Se a vida de Aracy fosse melhor documentada, quem sabe um dia historiadores poderiam dar a ela a biografia que merece.

Ela é de Rio Negro, Sul do Para­ná, por nascimento, mas ainda criança foi morar com os pais em São Paulo. A mãe era alemã e o pai, português. Aracy se casou em 1930 com o alemão Johan von Tess, mas cinco anos depois a relação acabou em desquite. Para a época, um escândalo. Não lhe sobrou alternativas a não ser ir morar em Hamburgo, na Alemanha, com uma tia. Levou debaixo dos braços o filho de então 6 anos. “Eu era pequeno demais. Tudo o que sei é narrado por outras pessoas”, afirma o filho Eduardo Carvalho Teff.
Foi em Hamburgo que Aracy conheceu um dos maiores escritores da literatura brasileira, João Guimarães Rosa. Ele trabalhava como cônsul-adjunto do Con­sulado Brasileiro em Hamburgo, Alemanha. Para o mesmo consulado, ela foi selecionada (coincidentemente) ao cargo de secretária e responsável pelos vistos brasileiros. Foi lá que os dois começaram a namorar (ambos haviam deixado o primeiro casamento de lado). Apesar de Aracy ser conhecida por muitos como a mulher de Guimarães Rosa, ela foi muito mais do que isso.
O III Reich de Adolf Hitler começou a perseguir duramente os judeus na Alemanha e, no Brasil, uma determinação do Itamaraty – imposta pelo então presidente Getúlio Vargas durante o Estado Novo – proibia os judeus de entrar no país a partir daquela data (1937). A ordem de Vargas era baseada nos ideais de Hitler e Mussolini. “Minha mãe era totalmente contrária ao nazismo e, vendo a situação dos judeus, começou a ajudá-los. Tentou salvar todos os que lhe procuraram, além de vizinhos e amigos. Não sabemos exatamente quantos foram, mas passam de cem”, diz Teff. Alguns ainda vivem em São Paulo e são eternamente gratos a Aracy.

Injustiças
Foi o cargo ocupado no consulado que ajudou esta mulher a salvar vidas. No meio de diversos outros documentos encaminhados ao cônsul para assinaturas, iam pedidos de visto dos judeus para o Brasil – seria uma das únicas maneiras de fugir das perseguições nazistas. “O cônsul assinava sem perceber do que se tratava e o documento era expedido sem o J de judeu, o que ajudou bastante”, explica Teff. Após a emissão dos documentos, Aracy ainda precisava ajudar os judeus no embarque, pois eles eram perseguidos duramente pelas ruas. Então ela usava o carro do consulado, com a placa diplomática. “Ela acolhia alguns deles na própria residência até a hora do embarque. Subia no navio e só saía quando os visitantes eram solicitados a se retirar porque o navio iria partir. Como no Brasil não havia um filtro de quem chegava, todos conseguiram passar”, afirma o historiador Anthony Leahy, do Instituo Memória.
Guimarães Rosa sabia do esquema e aceitou ficar quieto, mas disse diversas vezes à mulher que ela acabaria sendo descoberta. Algumas vezes Aracy foi presa por estar carregando alimentos dentro do carro (que seriam levados aos judeus que estavam escondidos), mas ela logo conseguia se liberar quando apresentava a carteira de funcionária consular. Ela agiu em prol dos judeus de 1938 a 1939.
Reconhecimento
Além de receber a homenagem do Museu do Holocausto em Israel, ela é considerada o Anjo de Hamburgo, prêmio da ONG B’nai B’rith (instituição judaica). “Ela me inspirou para construir a seguinte frase: para que os maus triunfem, basta que os bons não façam nada”, afirma Leahy.
Em 1941, no auge da guerra, o filho de Aracy voltou para o Brasil com a avó. Um ano depois, o Brasil rompeu relações com os países do Eixo, entre eles Ale­manha, e os diplomatas brasileiros de Hamburgo ficaram presos em um hotel chamado Banden-Baden. Passado o susto e a fome, Aracy e Guimarães Rosa decidiram voltar ao Brasil. Logo que chegaram foram ao México para se casar. “Era uma resposta à sociedade que os via ainda como desquitados”, diz Teff. O casal foi viver no Rio de Janeiro.
Viúva
Com a morte de Guimarães, Aracy teve ainda de encontrar forças para superar a perda do marido e outra ditadura, que implantou o Ato Institucional N.º 5 (AI 5) e restringiu a liberdade dos brasileiros (principalmente intelectuais) em 1968. A tia do cantor e compositor Geraldo Vandré era amiga de Aracy e pediu a ela asilo, porque ele estava sendo procurado pelos militares. “Além de Vandré, Aracy ajudou outras pessoas que estavam sendo perseguidas, desta vez no Brasil”, explica o historiador Leahy.
Somente nos últimos sete anos é que Aracy voltou a viver em São Paulo, agora na companhia do filho.
No final da década de 70 e início de 80 – não se sabe exatamente em que ano – Aracy foi convidada a visitar uma sinagoga no Rio de Janeiro e, para sua surpresa, quando entrou no local, muitos judeus se ajoelharam aos seus pés e começaram a beijá-los. Foi esta a primeira vez que ela teria se reencontrado com algumas das pessoas que ela conseguiu salvar.

O PEQUENO PODER E CUIDADO NA ANÁLISE EDITORIAL

Bem, em se tratando de obras científicas, é mais fácil verificar a atualização das informações e a forma da abordagem, o viés analítico, o desenvolvimento crítico...
Mas, se for uma obra de literatura, temos que ter cuidado para não confundir nossas crenças, pudores, valores e gostos com a efetividade da obra. Não podemos fazer da análise uma espécie de patrulhamento ideológico. Uma editora séria prega a diversidade de ideias e ideais, promovendo e defendo o contraditório. Não tem como ser diferente.  Não existe espaço para hipocrisia e falso moralismo. Não lançamos livros para nós mesmo e sim para a sociedade! Perder este norte representa perigo para a liberdade de pensamento e perigo comercial!
Devemos ter extremo cuidado com o "pequeno poder" que nos faz enxergar a possibilidade de avaliação da produção alheia nosso trono de compensação de frustrações pessoais... Perigoso!
Como julga os poemas eróticos de Drummond? Negar? E o poema sujo do Ferreira Goulart?
E será que temos, realmente, conhecimento bastante para chegar ao entendimento do proposto no livro? Noutro dia vi em um parecer que "o autor tentou, mas não conseguiu..." ou será limitação do pretenso censor? Isto é muito sério! 

Vejam e reflitam:

O premiado autor Gabriel García Marquez enviou o seu livro "O enterro do diabo" para uma editora na Argentina, e recebeu os originais de volta com uma carta de um pretenso crítico, o qual o aconselhava: "Dedique-se a outra coisa". Prepotência? Empáfia? 

A britânica J.K. Rowling, criadora da série Harry Potter, teve seus originais recusados por diversas editoras! Imagine o tamanho do remorso dessas editoras ao ver que além de ter a série mais vendida de todos os tempos, a autora entrou para a lista das mulheres mais ricas do mundo. Possivelmente um "grande analisador" entendeu que a obra não tinha valor literário... 

OUTROS CASOS FAMOSOS:

1) Stephen King: Sempre entre os "top 3" no quesito de autores mais bem pagos, o autor de "Carrie, a estranha" e vários outros livros assustadores, foi rejeitado por dezenas vezes em seu primeiro romance. Uma das editoras disse: Não estamos interessados em ficção científica que tratam de utopias negativas. Eles não vendem.
2) Anne Frank: Segundo uma editora, "O Diário de Anne Frank", que já foi traduzido para mais de 50 línguas e possui atualmente mais de 25 milhões de cópias vendidas, era uma leitura que não valia a pena: A menina não me parece ter uma percepção especial ou sentimento que iria elevar esse livro acima do nível de "curiosidade".
3) George Orwell: Uma das editoras que rejeitaram o grande clássico do autor, "A Revolução dos Bichos", foi curta e grossa: É impossível vender histórias sobre bichos nos EUA.
4) Vladimir Nabokov: O primeiro livro do autor, "Lolita", foi recebido pela editora com as seguintes palavras: "... esmagadoramente nauseante, até para um freudiano iluminado... A coisa toda é uma mistura de uma realidade medonha e uma fantasia improvável. Muitas vezes se torna um sonho neurótico selvagem...Recomendo que ele seja enterrado sob uma pedra por mil anos."
5) Margaret Mitchell: Com seu primeiro livro que se tornou um filme de muito sucesso, a autora teve seu livro rejeitado por nada mais nada menos que 38 vezes até finalmente encontrar quem publicasse "... E o Vento Levou".
6) Saga Crepúsculo, de Stephenie Meyer: Os originais de Crepúsculo foram rejeitados com a resposta em uma carta desqualificando a obra.

7) 
Dublinenses, de James Joyce: Um dos escritores mais influentes do século XX, amargou 22 rejeições dos originais deste livro de contos, sendo impressos inicialmente 1.250 cópias, e vendendo no primeiro ano apenas 379, das quais 120 haviam sido compradas pelo próprio Joyce;
TODO CUIDADO É POUCO! Posso verificar a coerência narrativa, o desenvolvimento da obra, tentar fazer uma avaliação de risco comercial pois a área cultural no Brasil é auto risco, principalmente se o autor não é famoso e não tem acesso à mídia, mas sempre respeitando o autor. Quem sou eu para afirmar quem tem ou não tem talento? Lembrem-se: sem escritores não existem editoras mas escritores existirão sempre! Acredite sempre em seu sonho. 

quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Condenação por crime de inutilização de documento público. Defecou sobre os autos do processo, protestando contra a decisão dele constante


Protesto Inusitado!
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Número de Ordem Pauta Não informado
Registro: 2011.0000029051
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0010102- 10.2007.8.26.0302, da Comarca de Jaú, em que é apelante R. S. G. F. sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao apelo. V.U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
MARCO NAHUM (Presidente) e MÁRCIO BARTOLI.
São Paulo, 4 de abril de 2011.
PÉRICLES PIZA
RELATOR
ASSINATURA ELETRÔNICA
APELAÇÃO nº 0010102-10.2007.8.26.0302
APELANTE: R. S. G.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA: JAÚ
VOTO Nº 22.660
Apelação criminal. Condenação por crime de inutilização de documento público. Defecou sobre os autos do processo, protestando contra a decisão dele constante. Objetiva a absolvição diante da ausência de dolo. Razão não lhe assiste. Consoante as provas coligidas, perícia e depoimentos testemunhais, bem sabia o réu das consequências de seu inusitado protesto. Dolo evidente. Sentença escorreita, proferida com sobriedade e equilíbrio na aplicação da sanção adequada – medida de segurança. Nada mais pode almejar. Provimento negado.
I Ao relatório da r. sentença, que se acolhe, acresce-se que R. S. G. restou condenado pelo Magistrado da 2º Vara Criminal da Comarca de Jaú (Processo nº 512/2007) à medida de segurança, tratamento médico ambulatorial por tempo indeterminado, com reavaliação no prazo de 03 (três) anos, com fundamento no artigo 98, do Código Penal, por incurso no artigo 337, do Código Penal, e, irresignado, apela objetivando a absolvição pela atipicidade, diante da ausência de dolo, já que tudo não teria passado de um ato de protesto contra a decisão constante dos autos.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do apelo.
II Infere-se dos autos que o ora apelante estava a responder a outro Processo-crime nº 208/2004, perante a 5ª Vara Criminal da mesma Comarca de Jaú, por suposta prática de guarda de arma de fogo sem autorização legal, no interior de sua residência.
Foi-lhe proposta a suspensão condicional do processo mediante condições, dentre elas o comparecimento mensal em cartório. Assim agiu o réu, cumprindo ao ajustado por reiteradas vezes.
No entanto, quando do último comparecimento, solicitou ao funcionário os autos do controle de frequência, para assiná-los, como sempre o fazia.
Ocorre que, intempestivamente, pediu para que todos se afastassem, abaixou-se defronte ao balcão de atendimento, arriou as suas calças e defecou sobre referidos autos, inutilizando-os parcialmente.
Não bastasse isso, acintosamente, teria passado a exibir o feito a todos os presentes. Teria dito, ainda, que pretendia arremessar sua obra contra o Juiz e o Promotor de Justiça que atuaram no respectivo processocrime, mas foi impedido por funcionários do fórum.
Foi então, autuado em flagrante delito.
A denúncia foi recebida e, diante de seu comportamento inusitado e desequilibrado, foi determinada pelo Magistrado a quo a realização de incidente de sanidade mental.
Foram realizadas duas perícias técnicas, a primeira concluiu por sua semi-imputabilidade e outra pela inimputabilidade total, já que portador de “esquizofrenia paranóide”, ou “transtorno esquizotipico CID X F 21”, respectivamente (cf. fls. 39/40 e 49/51 do apenso próprio).
Ao término da instrução, ouvidas diversas testemunhas presenciais do ocorrido, acabou condenado a cumprir medida de segurança, diante de sua parcial imputabilidade.
Consoante seu interrogatório em Juízo, e depoimento prestado para elaboração do laudo pericial (em apenso), assim agiu o réu porque decidiu praticar um ato de protesto, indignado com o tratamento que estava recebendo do Poder Judiciário, por acreditar que só assim seria “ouvido e respeitado''.
No entanto, como bem destacou o Magistrado a quo, tal alegação não convence.
A destruição dos autos, defecando sobre os mesmos, não é meio jurídico, lícito ou razoável de protesto.
Ao contrário.
O réu estava devidamente assistido por defensor, o qual bem poderia formular suas reivindicações.
Indignou-se contra a suspensão condicional do processo, ato que de livre e espontânea vontade celebrou e anuiu. Por derradeiro, segundo se infere do feito, cumpriu diversas vezes o compromisso assumido, comparecendo em Juízo por diversas vezes e somente quando do último comparecimento resolveu protestar.
Portanto, sua conduta não pode ser classificada como justificada, razoável, tolerável ou de mero “protesto”.
Agiu, sim, com a clara intenção de demonstrar seu inconformismo com a situação suportada, mas se manifestou de forma errada, antijurídica, e sabedor das consequências que poderiam advir de seu ilícito proceder.
A alegação do combativo defensor, de que não agiu o réu com dolo, não convence.
Ao contrário.
É certo que, se totalmente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta, como entendeu a perícia de fls. 49/51, não possuiria o réu “culpabilidade”. Portanto, não se haveria de falar em “dolo” ou “culpa”, mas apenas em periculosidade do réu para o convívio social.
No entanto, sendo ele semi-imputável, como reconheceu o Magistrado a quo, tem o réu parcial entendimento do caráter ilícito de sua conduta.
Consoante seu próprio depoimento, bem como das diversas testemunhas ouvidas em Juízo, a maioria presencial dos fatos, tinha o réu a deliberada intenção de protestar contra a decisão constante dos autos.
Agia, assim, com dolo.
Mas, é evidente, seu agir estava comprometido pela patologia psíquica constatada pelo incidente de sanidade mental.
Daí porque, não lhe deve ser aplicada pena, mas sim medida de segurança.
É o que aqui ocorre.
Por isso mesmo, a r. sentença de primeiro grau, escorreita, é de prevalecer incólume por seus próprios, sóbrios e jurídicos fundamentos, aqui incorporados como razão de decidir.
A medida de segurança foi fixada de forma equilibrada e se mostra adequada ao caso em apreço.
Nada mais pode almejar.
Ante ao exposto, nego provimento ao apelo.
PÉRICLES PIZA
Relator
--------------------------------------------------
Justiça & Caos
Autor: Adauto Suannes
Páginas: 248 pgs.
Ano da Publicação: 2008
Editora: Instituto Memória
Preço: R$ 50,00

 
SINOPSE

Um intelectual sem medo de Justiça... e caos!

Adauto Suannes: Autor do livro Justiça & Caos

Entrevista exclusiva para o PORTAL IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o autor revela que, ao contrário do que pensa o senso comum, “em nome da justiça vem-se produzindo o caos”.

PORTAL IBCCRIM - Como veio a inspiração para escrever "Justiça & Caos"? Como o senhor resolveu expressar a inquietação trazida pela maturidade?  

ADAUTO SUANNES - Essa inquietação sempre me acompanhou. Enquanto Santo Tomás dizia que a Justiça, restabelecendo a ordem, leva à paz, a pós-modernidade, aqui e no mundo todo, prova o contrário: em nome da justiça vem-se produzindo o caos. Os governantes nazistas foram condenados por haverem imposto aos alemães, leis alemãs. Os EUA estão fazendo coisa pior: impondo seu ponto de vista a não-americanos. Em nome de quê? Acho que, pelo menos, deveríamos falar menos em "justiça", pois ela é inconcretizável.

PORTAL IBCCRIM - O senhor escreve no seu livro que achou que "deveria prestar contas daquilo de melhor que recebeu ao nascer", ou seja, sua "capacidade de se indignar". O senhor julga que as pessoas, em nossa sociedade pós-moderna, estão se indignando de menos e se contentando demais com a crueldade que lhes é mostrada na TV?

ADAUTO SUANNES - Sem a menor dúvida. A alienação dos jovens (especialmente no Brasil) é algo de estarrecer. As causas são muitas, mas o individualismo (vale dizer, egocentrismo) é a principal delas. Os professores universitários são, de modo geral, meros burocratas.

PORTAL IBCCRIM - Em sua obra, as citações são profícuas e de grande amplitude, indo do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade ao mitólogo norte-americano Joseph Campbell. De que maneira o senhor conseguiu conciliar sua cultura literária com o conhecimento jurídico prático como desembargador? O livro pode ser considerado o resultado desse amálgama entre cultura literária e erudição jurídica?

A maioria dos juizes parece supor que fora do Direito não há vida inteligente. Já se chegou a incluir em prova para ingresso na magistratura perguntas sobre Literatura Alemã. Não me consta que alguma vez se tenham incluído questões sobre psicologia. E o juiz "avalia" condutas das partes e das testemunhas. Há que se repensar isso, especialmente em face do que ocorre na área do Direito de Família.

PORTAL IBCCRIM - No prefácio de seu livro, escrito pelo Dr. Alberto Silva Franco, há um exemplo de como o Military Comissions Act 2006 deu origem a um mecanismo perverso e poderoso que afronta os direitos fundamentais, a ser usado pelo Estado norte-americano. Por meio desse recurso, ao adotar o conceito de "inimigo combatente ilegal", é possível deter alguém sem definir o tempo de prisão cautelar e não lhe conceder o direito ao habeas corpus, dentre outras limitações. Essa legislação confere ao poder executivo norte-americano uma força abusiva, garantindo o uso da força para garantir quaisquer arbitrariedades. Que cuidados a sociedade moderna e seus legisladores devem tomar para evitar paroxismos autoritários como esses, num mundo cada vez mais globalizado?

Enquanto a ONU estiver sob o poder de Estados com poder de veto, sua atuação estará obviamente limitada. No caso Nicarágua versus EUA, citado no livro, a deliberação da ONU a respeito não foi possível em razão de veto dos EUA! A vontade do acusado sobrepondo-se à atuação do juiz merece que nome? No nosso Congresso Nacional, segundo me consta, o congressista vota na decisão em que se discute se ele deve ou não perder o mandato. Juiz de si mesmo. Aliás, seus colegas votam sem identificar-se, para não serem punidos por seus eleitores.

PORTAL IBCCRIM - O senhor afirma que o Direito só tem feito retardar a solução de conflitos e que a ele não pode ser atribuído o papel de "escada de ouro que leve as partes conflitantes aos pés da divindade, que tirará de seu alforje o Santo Graal da Justiça". Quais são, no seu entender, as funções do Direito hoje e quais as expectativas que a sociedade tem de seus operadores? Elas são correspondidas?

A função do Poder Judiciário não é fazer justiça: é compor conflitos e procurar resolvê-los o mais rápido possível. Ou você acha que quando o processo termina em acordo a parte acha que lhe fizeram justiça?

PORTAL IBCCRIM - Seus ex-colegas juízes de Direito conseguem entender as relações complexas que o senhor faz entre o Processo Judicial e a Teoria do Caos? O senhor acha que suas análises podem repercutir de alguma forma na prática do juiz de Direito de hoje? Eles estão abertos a novidades revolucionárias como as que o senhor trata em seu livro?

Acho um tema ainda pouco explorado, mas é difícil deixar de concordar com essa realidade: o processo judicial assume quase sempre um aspecto caótico. E isso geralmente se dá por culpa do juiz, que age com indiferença, supondo que está agindo com desinteresse, o que é coisa diversa.

PORTAL IBCCRIM - Só para dar um exemplo para nossos leitores: que conseqüências práticas têm, num Processo Penal, as decorrências da frase do cientista Ian Gleiser: "Pequenas variações nas condições iniciais têm um grande impacto em suas trajetórias futuras"?

O melhor exemplo disso é o fato de o juiz não impedir a chicana. Há uma tese na petição inicial e uma contra-tese na resposta do réu, definindo-se o objeto do litígio. O juiz não pode permitir que as partes fujam disso. Para tanto, seria necessário que ele, por exemplo, quando fosse presidir a audiência, conhecesse o que há nos autos, deixando claro quais os pontos duvidosos que devem ser aclarados pela prova. Quem advoga sabe que isso é exceção.

PORTAL IBCCRIM - Até onde o Caos que o senhor constata e relata em seu livro pode servir de lição e desafio para a próxima geração de operadores de Direito?

Não consigo ser pessimista. Em 1983, num congresso de Tribunais de Alçada, apresentei uma tese, que nada tinha de excepcional: "Todo réu tem o direito de entrevistar-se com seu advogado antes de ser interrogado judicialmente. Se não tiver advogado, o juiz deve nomear-lhe um defensor antes do interrogatório". Tal tese foi aprovada, como está nos anais do congresso. Tudo continou na mesma até 2003, quando aquilo, sem qualquer participação minha, virou lei (veja no Código de Processo Penal o art 185).

FONTE: www.ibccrim.org.br

"só existe crime organizado numa sociedade desorganizada,
na qual os poderes estão contaminados pela corrupção deste crime"
 
Adauto Suannes - Desembargador aposentado - Jurista