quarta-feira, 26 de setembro de 2012

Condenação por crime de inutilização de documento público. Defecou sobre os autos do processo, protestando contra a decisão dele constante


Protesto Inusitado!
TRIBUNAL DE JUSTIÇA
PODER JUDICIÁRIO
São Paulo
Número de Ordem Pauta Não informado
Registro: 2011.0000029051
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos do Apelação nº 0010102- 10.2007.8.26.0302, da Comarca de Jaú, em que é apelante R. S. G. F. sendo apelado MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO.
ACORDAM, em 1ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça de São Paulo, proferir a seguinte decisão: "Negaram provimento ao apelo. V.U. ", de conformidade com o voto do Relator, que integra este acórdão.
O julgamento teve a participação dos Exmos. Desembargadores
MARCO NAHUM (Presidente) e MÁRCIO BARTOLI.
São Paulo, 4 de abril de 2011.
PÉRICLES PIZA
RELATOR
ASSINATURA ELETRÔNICA
APELAÇÃO nº 0010102-10.2007.8.26.0302
APELANTE: R. S. G.
APELADO: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DE SÃO PAULO
COMARCA: JAÚ
VOTO Nº 22.660
Apelação criminal. Condenação por crime de inutilização de documento público. Defecou sobre os autos do processo, protestando contra a decisão dele constante. Objetiva a absolvição diante da ausência de dolo. Razão não lhe assiste. Consoante as provas coligidas, perícia e depoimentos testemunhais, bem sabia o réu das consequências de seu inusitado protesto. Dolo evidente. Sentença escorreita, proferida com sobriedade e equilíbrio na aplicação da sanção adequada – medida de segurança. Nada mais pode almejar. Provimento negado.
I Ao relatório da r. sentença, que se acolhe, acresce-se que R. S. G. restou condenado pelo Magistrado da 2º Vara Criminal da Comarca de Jaú (Processo nº 512/2007) à medida de segurança, tratamento médico ambulatorial por tempo indeterminado, com reavaliação no prazo de 03 (três) anos, com fundamento no artigo 98, do Código Penal, por incurso no artigo 337, do Código Penal, e, irresignado, apela objetivando a absolvição pela atipicidade, diante da ausência de dolo, já que tudo não teria passado de um ato de protesto contra a decisão constante dos autos.
A Douta Procuradoria Geral de Justiça manifestou-se pelo desprovimento do apelo.
II Infere-se dos autos que o ora apelante estava a responder a outro Processo-crime nº 208/2004, perante a 5ª Vara Criminal da mesma Comarca de Jaú, por suposta prática de guarda de arma de fogo sem autorização legal, no interior de sua residência.
Foi-lhe proposta a suspensão condicional do processo mediante condições, dentre elas o comparecimento mensal em cartório. Assim agiu o réu, cumprindo ao ajustado por reiteradas vezes.
No entanto, quando do último comparecimento, solicitou ao funcionário os autos do controle de frequência, para assiná-los, como sempre o fazia.
Ocorre que, intempestivamente, pediu para que todos se afastassem, abaixou-se defronte ao balcão de atendimento, arriou as suas calças e defecou sobre referidos autos, inutilizando-os parcialmente.
Não bastasse isso, acintosamente, teria passado a exibir o feito a todos os presentes. Teria dito, ainda, que pretendia arremessar sua obra contra o Juiz e o Promotor de Justiça que atuaram no respectivo processocrime, mas foi impedido por funcionários do fórum.
Foi então, autuado em flagrante delito.
A denúncia foi recebida e, diante de seu comportamento inusitado e desequilibrado, foi determinada pelo Magistrado a quo a realização de incidente de sanidade mental.
Foram realizadas duas perícias técnicas, a primeira concluiu por sua semi-imputabilidade e outra pela inimputabilidade total, já que portador de “esquizofrenia paranóide”, ou “transtorno esquizotipico CID X F 21”, respectivamente (cf. fls. 39/40 e 49/51 do apenso próprio).
Ao término da instrução, ouvidas diversas testemunhas presenciais do ocorrido, acabou condenado a cumprir medida de segurança, diante de sua parcial imputabilidade.
Consoante seu interrogatório em Juízo, e depoimento prestado para elaboração do laudo pericial (em apenso), assim agiu o réu porque decidiu praticar um ato de protesto, indignado com o tratamento que estava recebendo do Poder Judiciário, por acreditar que só assim seria “ouvido e respeitado''.
No entanto, como bem destacou o Magistrado a quo, tal alegação não convence.
A destruição dos autos, defecando sobre os mesmos, não é meio jurídico, lícito ou razoável de protesto.
Ao contrário.
O réu estava devidamente assistido por defensor, o qual bem poderia formular suas reivindicações.
Indignou-se contra a suspensão condicional do processo, ato que de livre e espontânea vontade celebrou e anuiu. Por derradeiro, segundo se infere do feito, cumpriu diversas vezes o compromisso assumido, comparecendo em Juízo por diversas vezes e somente quando do último comparecimento resolveu protestar.
Portanto, sua conduta não pode ser classificada como justificada, razoável, tolerável ou de mero “protesto”.
Agiu, sim, com a clara intenção de demonstrar seu inconformismo com a situação suportada, mas se manifestou de forma errada, antijurídica, e sabedor das consequências que poderiam advir de seu ilícito proceder.
A alegação do combativo defensor, de que não agiu o réu com dolo, não convence.
Ao contrário.
É certo que, se totalmente incapaz de entender o caráter ilícito de sua conduta, como entendeu a perícia de fls. 49/51, não possuiria o réu “culpabilidade”. Portanto, não se haveria de falar em “dolo” ou “culpa”, mas apenas em periculosidade do réu para o convívio social.
No entanto, sendo ele semi-imputável, como reconheceu o Magistrado a quo, tem o réu parcial entendimento do caráter ilícito de sua conduta.
Consoante seu próprio depoimento, bem como das diversas testemunhas ouvidas em Juízo, a maioria presencial dos fatos, tinha o réu a deliberada intenção de protestar contra a decisão constante dos autos.
Agia, assim, com dolo.
Mas, é evidente, seu agir estava comprometido pela patologia psíquica constatada pelo incidente de sanidade mental.
Daí porque, não lhe deve ser aplicada pena, mas sim medida de segurança.
É o que aqui ocorre.
Por isso mesmo, a r. sentença de primeiro grau, escorreita, é de prevalecer incólume por seus próprios, sóbrios e jurídicos fundamentos, aqui incorporados como razão de decidir.
A medida de segurança foi fixada de forma equilibrada e se mostra adequada ao caso em apreço.
Nada mais pode almejar.
Ante ao exposto, nego provimento ao apelo.
PÉRICLES PIZA
Relator
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Justiça & Caos
Autor: Adauto Suannes
Páginas: 248 pgs.
Ano da Publicação: 2008
Editora: Instituto Memória
Preço: R$ 50,00

 
SINOPSE

Um intelectual sem medo de Justiça... e caos!

Adauto Suannes: Autor do livro Justiça & Caos

Entrevista exclusiva para o PORTAL IBCCRIM - Instituto Brasileiro de Ciências Criminais, o autor revela que, ao contrário do que pensa o senso comum, “em nome da justiça vem-se produzindo o caos”.

PORTAL IBCCRIM - Como veio a inspiração para escrever "Justiça & Caos"? Como o senhor resolveu expressar a inquietação trazida pela maturidade?  

ADAUTO SUANNES - Essa inquietação sempre me acompanhou. Enquanto Santo Tomás dizia que a Justiça, restabelecendo a ordem, leva à paz, a pós-modernidade, aqui e no mundo todo, prova o contrário: em nome da justiça vem-se produzindo o caos. Os governantes nazistas foram condenados por haverem imposto aos alemães, leis alemãs. Os EUA estão fazendo coisa pior: impondo seu ponto de vista a não-americanos. Em nome de quê? Acho que, pelo menos, deveríamos falar menos em "justiça", pois ela é inconcretizável.

PORTAL IBCCRIM - O senhor escreve no seu livro que achou que "deveria prestar contas daquilo de melhor que recebeu ao nascer", ou seja, sua "capacidade de se indignar". O senhor julga que as pessoas, em nossa sociedade pós-moderna, estão se indignando de menos e se contentando demais com a crueldade que lhes é mostrada na TV?

ADAUTO SUANNES - Sem a menor dúvida. A alienação dos jovens (especialmente no Brasil) é algo de estarrecer. As causas são muitas, mas o individualismo (vale dizer, egocentrismo) é a principal delas. Os professores universitários são, de modo geral, meros burocratas.

PORTAL IBCCRIM - Em sua obra, as citações são profícuas e de grande amplitude, indo do poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade ao mitólogo norte-americano Joseph Campbell. De que maneira o senhor conseguiu conciliar sua cultura literária com o conhecimento jurídico prático como desembargador? O livro pode ser considerado o resultado desse amálgama entre cultura literária e erudição jurídica?

A maioria dos juizes parece supor que fora do Direito não há vida inteligente. Já se chegou a incluir em prova para ingresso na magistratura perguntas sobre Literatura Alemã. Não me consta que alguma vez se tenham incluído questões sobre psicologia. E o juiz "avalia" condutas das partes e das testemunhas. Há que se repensar isso, especialmente em face do que ocorre na área do Direito de Família.

PORTAL IBCCRIM - No prefácio de seu livro, escrito pelo Dr. Alberto Silva Franco, há um exemplo de como o Military Comissions Act 2006 deu origem a um mecanismo perverso e poderoso que afronta os direitos fundamentais, a ser usado pelo Estado norte-americano. Por meio desse recurso, ao adotar o conceito de "inimigo combatente ilegal", é possível deter alguém sem definir o tempo de prisão cautelar e não lhe conceder o direito ao habeas corpus, dentre outras limitações. Essa legislação confere ao poder executivo norte-americano uma força abusiva, garantindo o uso da força para garantir quaisquer arbitrariedades. Que cuidados a sociedade moderna e seus legisladores devem tomar para evitar paroxismos autoritários como esses, num mundo cada vez mais globalizado?

Enquanto a ONU estiver sob o poder de Estados com poder de veto, sua atuação estará obviamente limitada. No caso Nicarágua versus EUA, citado no livro, a deliberação da ONU a respeito não foi possível em razão de veto dos EUA! A vontade do acusado sobrepondo-se à atuação do juiz merece que nome? No nosso Congresso Nacional, segundo me consta, o congressista vota na decisão em que se discute se ele deve ou não perder o mandato. Juiz de si mesmo. Aliás, seus colegas votam sem identificar-se, para não serem punidos por seus eleitores.

PORTAL IBCCRIM - O senhor afirma que o Direito só tem feito retardar a solução de conflitos e que a ele não pode ser atribuído o papel de "escada de ouro que leve as partes conflitantes aos pés da divindade, que tirará de seu alforje o Santo Graal da Justiça". Quais são, no seu entender, as funções do Direito hoje e quais as expectativas que a sociedade tem de seus operadores? Elas são correspondidas?

A função do Poder Judiciário não é fazer justiça: é compor conflitos e procurar resolvê-los o mais rápido possível. Ou você acha que quando o processo termina em acordo a parte acha que lhe fizeram justiça?

PORTAL IBCCRIM - Seus ex-colegas juízes de Direito conseguem entender as relações complexas que o senhor faz entre o Processo Judicial e a Teoria do Caos? O senhor acha que suas análises podem repercutir de alguma forma na prática do juiz de Direito de hoje? Eles estão abertos a novidades revolucionárias como as que o senhor trata em seu livro?

Acho um tema ainda pouco explorado, mas é difícil deixar de concordar com essa realidade: o processo judicial assume quase sempre um aspecto caótico. E isso geralmente se dá por culpa do juiz, que age com indiferença, supondo que está agindo com desinteresse, o que é coisa diversa.

PORTAL IBCCRIM - Só para dar um exemplo para nossos leitores: que conseqüências práticas têm, num Processo Penal, as decorrências da frase do cientista Ian Gleiser: "Pequenas variações nas condições iniciais têm um grande impacto em suas trajetórias futuras"?

O melhor exemplo disso é o fato de o juiz não impedir a chicana. Há uma tese na petição inicial e uma contra-tese na resposta do réu, definindo-se o objeto do litígio. O juiz não pode permitir que as partes fujam disso. Para tanto, seria necessário que ele, por exemplo, quando fosse presidir a audiência, conhecesse o que há nos autos, deixando claro quais os pontos duvidosos que devem ser aclarados pela prova. Quem advoga sabe que isso é exceção.

PORTAL IBCCRIM - Até onde o Caos que o senhor constata e relata em seu livro pode servir de lição e desafio para a próxima geração de operadores de Direito?

Não consigo ser pessimista. Em 1983, num congresso de Tribunais de Alçada, apresentei uma tese, que nada tinha de excepcional: "Todo réu tem o direito de entrevistar-se com seu advogado antes de ser interrogado judicialmente. Se não tiver advogado, o juiz deve nomear-lhe um defensor antes do interrogatório". Tal tese foi aprovada, como está nos anais do congresso. Tudo continou na mesma até 2003, quando aquilo, sem qualquer participação minha, virou lei (veja no Código de Processo Penal o art 185).

FONTE: www.ibccrim.org.br

"só existe crime organizado numa sociedade desorganizada,
na qual os poderes estão contaminados pela corrupção deste crime"
 
Adauto Suannes - Desembargador aposentado - Jurista

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